A Serra da Gardunha assume-se como um relevo histórico e cultural de transição, um território de destinos e de milenares passagens, cujos movimentos se expressaram com maior ou com menor profundidade e se enraizaram na paisagem, a qual, ao longo dos séculos, foi sempre mutante.
Durante a Idade Média, os ecossistemas serranos eram dominados por uma densa e variada vegetação de espécies caducifólias (carvalhos e castanheiros) de que já só resta a memória e a toponímia. Esse manto verde espontâneo foi modificado com a introdução de novas espécies. Na paisagem pré-romana destacavam-se então os povoados com as suas cinturas amuralhadas onde viviam populações sustentadas numa economia de base essencialmente de base agropastoril.
Estes aglomerados vivenciais utilizavam a altitude como forma de afirmação de poder e de controlo das vias de comunicação que sulcavam a floresta primitiva. Estas vias tiveram a sua origem na necessidade de conduzir, sazonalmente, os gados da montanha para os relevos aplanados do sul.
Um segundo momento antrópico desenvolveu-se durante o largo processo romanizador, com a instalação de pequenos casais e granjas de vocação agrícola. Os solos foram intensamente cultivados e largas zonas da floresta primitiva terão sido destruídas através de queimadas.
Este período de intensa construção paisagística terá começado a desvanecer-se a partir do século VIII D.C.. As convulsões políticas, sociais e demográficas e as novas centralidades dos poderes transformaram a Gardunha post–romana num espaço repulsivo e periférico. A floresta primitiva avançou, sendo apenas cruzada pelos rebanhos transumantes e pelos movimentos de guerreiros cristãos e islâmicos.
Na Serra de Ocaia como então se designava a Serra, os tempos post-Reconquista (finais do século XII até ao século XV) caracterizaram-se por uma fase de antropização complexa e por uma intensa e progressiva transformação do habitat natural. Durante a segunda metade do século XIX e todo o século XX, assistiu-se a uma alteração dos conceitos económicos e dos quadros vivenciais. O processo migratório, o abandono dos campos, a introdução de novas culturas e espécies a multiplicação de redes de caminhos, a destruição dos topos geológicos e as sucessivas vagas de incêndios criaram uma nova paisagem da Gardunha.
Tal como ontem, a Gardunha nunca foi local de imutáveis quietudes. Pelo contrário. Foi sim sempre um sítio de convergência de sons dos tempos: os do passado e os do futuro.
In Candidatura Paisagem Protegida da Serra da Gardunha, Município de Castelo Branco e Fundão, 2012
Fotografia por: David Caetano